domingo, 23 de novembro de 2008

Memórias de uma moça bem comportada



A procura de uma indicação de livro, recebo de um amigo a sugestão:
- Memórias de uma moça bem comportada.
- Não vale, já li!
- Pois leia de novo. É a sua cara... foi a resposta.

Por onde será que ele anda? Depois de casa e separa, muda de casa e muda de novo.... Achei. Empoeirado, tadinho. Dei uma folheada. Não vou reler, mas com ele voltei e avancei um pouco no tempo.

Ganhei este livro e o li aos 18 anos. Trata-se da autobiografia de Simone de Beauvoir que então virou uma de minhas ídolas . Amante dos estudos, da filosofia, da psicologia como eu, com muitas perguntas e muita vontade de viver livremente. Como eu. Como não me identificar com essa mulher? A partir daí, mergulhei aos poucos na onda do existencialismo, mesmo sem ter muita noção disto. Emendei os dois volumes do Segundo Sexo, A Náusea, A Metamorfose, Humano Demasiado Humano, O homem a Procura de Si Mesmo e aos poucos fui percebendo que a responsabilidade que temos com nossas vidas é de fato só nossa. Individualmente nossa. Ser humano é ser só. Ser humano é fazer escolhas e se responsabilizar por elas.

Esse também poderia ser o título da minha biografia. Sim, uma moça bem comportada. Sempre me senti e fui vista como uma pessoa centrada, equilibrada, ponderada, boa filha, boa nora, boa namorada, boa aluna, boa funcionária, boa amiga. Que chatice........ Até hoje, jogo lixo no lixo, respeito filas, dou lugar aos mais velhos, devolvo troco errado, procuro não fazer nenhuma criatura sofrer, pago minhas contas, não roubo no imposto de renda, procuro não encher o saco de ninguém. Não quero levar vantagem em tudo. Sou bem informada, consigo conversar com quase todos os tipos de pessoas, sobre quase todos os tipos de assunto. Não sei como ainda ando pelo mundo em (relativa) liberdade. Talvez porque a inquisição não exista mais. Mas pelo sim, pelo não, tenho muito respeito pelo fogo.

Quanta arrogância e pretensão ..... Em tempos de Mulher Melancia, que valor tem isso tudo? ( Sinto neste momento que uma bad girl ri baixinho dentro de mim, como que pressentindo uma possibilidade de também existir.......)

Esse título bem cabe na minha vida. Eu e Simone (ai, ai intimidade é uma merda...) duas capricornianas, possuidoras de um cérebro e de projetos existenciais que não dependem de homens, embora não os exclua, pelo contrário. Tudo fica mais saboroso com eles! Muita coisa em comum, mas uma grande diferença: Ela encontrou Sarte e eu não. Nessa hora, a Castor leva vantagem. Será? Acho que sim. Ainda acredito que bons encontros são fundamentais. Mesmo após dois casamentos. Um tradicional, outro nem tanto. Ainda procuro algum ser, que esteja em algum lugar entre a total indisponibilidade para o outro, tão característica de hoje em dia e a noção absurda de posse ou dependência do outro, numa objetivação do ser humano que, como psicóloga me pergunto seriamente onde vai dar. É mais fácil ter alguém à disposição, só pra quando tiver vontade.
Não sei se algum dia encontro. Também, quem mandou ler feministas e deprimidos existencialistas ? Devia ter ficado somente no Pequeno Príncipe. Mas, não teria tido alguns momentos preciosos ainda que um pouco confusos, que me mostraram tão de perto o quanto , como diz Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” . Lembro da primeira vez que li a frase clássica de Sartre: “O inferno são os outros”. A frase ficou reverberando, meses, acho que anos. Aos 18 não fez sentido, mas causou espanto.

Esse foi de fato, um momento. O primeiro. Dúvida.

Muitos anos depois, viajando sozinha pelo mundo como gosto de fazer, estava em Veneza e peguei um daqueles vaporetos para uma outra ilha. De repente, um imenso oceano e eu sozinha mar adentro, mar aberto para todas as possibilidades. Me toquei de que ninguém sabia onde eu estava naquele momento. Só. Me toquei de que se eu morresse, ia demorar até meu povo entender – o que ela estava fazendo lá, se não estava no roteiro ?

Esse foi um segundo momento. Nenhum medo. Delícia, vento no rosto. Liberdade !

E alguns anos mais tarde, novamente viajando sozinha, resolvo conhecer Budapeste. De Viena, pego um “tour grupo” simpático, mas chegando lá, de saco cheio de visitar lojinhas de artesanato , resolvi ir até o mercado municipal, ver as pessoas do lugar, as comidas, os temperos, os cheiros .... me perdi . Literalmente. Quando me dei conta da hora, depois de muito andar em círculos, me vi sozinha, mas desta vez, perdida. Nessa hora, debaixo de uma chuva torrencial, com frio, fome e sem falar nenhuma palavra de húngaro, percebi que a responsabilidade é toda minha, sempre foi e sempre será. Não há liberdade. Show de Truman. Matrix.

Terceiro momento. Medo, espanto, desbunde. Eu “me achando” e não era nada disso? Terceiro sinal. A peça vai começar ou acabou de acabar ? A liberdade que eu sempre prezei , busquei e banquei era só um truque, um cenário? Agora seria à vera?

A frase do Sartre , fez um imediato sentido e esses três momentos de minha vida se somaram e viraram uma grande ficha que caiu ali, naquele exato momento. Senti que estava crescendo. Me senti maior do que nunca havia sido antes. E muito menor do que jamais pudera supor. Foi muito bom. Foi muito ruim.
E não tinha alucinógenos, santo daime, transe ou coisa que o valha (que pena, hoje percebo que talvez fosse bom rsrsrs) Era eu , cara a cara comigo. Quanta dor, quanta delícia.
Escolher e agüentar as conseqüências. Causa e efeito. Não consigo, neste momento, melhor tradução para o que seja viver. Comportadamente ou não, tanto faz o modo. Mas sempre sozinha, por melhor que esteja acompanhada.

Mas minha biografia ainda não está pronta e o final pode ser qualquer um. E o melhor de tudo, sendo uma autobiografia, eu escrevo

Pausa para respirar . Disney na veia já !!!!! Nada que Alice no País das Maravilhas não dê jeito....

6 comentários:

Anônimo disse...

Oi Ana, vi seu blog no blog da Carol.
Muito interessantes as tuas reflexões. Que mulher inteligente não tem um Q da Simone?

Lica Veríssimo disse...

Ana,também adorei teu blog! voltarei!
Parabéns.
Abraço de sangha!

Anônimo disse...

Não há liberdade. Show de Truman. Matrix.
Belo texto capricorniana ! Tbem sou fa da Simone , a Castor .

Anônimo disse...

Não há liberdade. Show de Truman. Matrix.
Belo texto Capricorniana . Tbem sou fa da Simone, a Castor.

Ana Maria disse...

Abraço de Sanga pra vc tbem Lica !

Ana Maria disse...

Obrigada Victor, pelos comentários.