sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Daqui pra frente


Faz uma semana que minha mãe se foi de vez. E só agora consigo sentar para escrever alguma coisa. Não sou uma pessoa muito expressiva. É bem verdade que passo despercebida na maioria das vezes. Não sou também muito afetiva com gestos, carinhos .....Preciso escrever, é assim que me expresso mais fácil.Esta foto foi a última que tiramos juntas. Exatamente dois anos antes de ela morrer. 12 de outubro de 2004. Eu estava de férias, tinha voltado do casamento de uma amiga no Espírito Santo e havíamos combinado de passar o feriado na minha casa, comer uma peixada em Guaratiba, enfim, programa feliz em família. Depois deste dia, evitou fotos ao máximo e eu respeitei também ao máximo. Neste mesmo dia, mais tarde, ela passou muito mal e no dia seguinte estávamos no hospital onde passei 20 dias internada com ela para tentar saber o que estava havendo e fazer todos os exames que no entanto davam sempre normais.Somente em janeiro de 2005 é que veio o diagnóstico: cirrose.Logo ela, que tinha horror à bebida alcoólica..... E a partir de então, começamos o tratamento que ia manter “tudo sob controle”. O médico disse: “é como uma diabete, vai tomar esse remedinho pro resto da vida e conviver com a doença. No resto , vida normal......” só não nos foi dito que o resto da vida seria tão pouco e que não seria nada normal.... Viajei em abril deste ano e ela estava bem, andando, fazendo tudo sozinha... me ajudou até a arrumar a mala ! Voltei em maio e ela estava um pouco mais fraca. De julho em diante, a tal doença sob controle se descontrolou. Apesar do “remedinho” sempre em dia, dieta rígida, desconforto físico com a ascite cada vez maior, perda progressiva de peso , sem conseguir mais andar, usando fraldas ....Sei que foi o melhor, sei que ela está descansando, acompanhei de perto suas duas últimas semanas de vida e pude sentir quase que junto com ela seu sofrimento. Tudo isso eu entendo. Tudo isso eu aceito.Mas nunca mais vê-la dói tanto.... não ver mais o seu sorriso tímido, não levar mais uma bronca de vez em quando, não receber mais aquele telefonema perguntando se estou melhor depois de uma gripezinha de nada (ela ficava aflita, eu d-o-e-n-te e morando sozinha! ).... não comer mais a sua inigualável sopinha de inhame que curava até dor de cotovelo .... fica tudo sem graça . Passar numa loja e ver uma coisa que ela ia gostar, levar pra ela e ouvir um “não precisava” mas com um brilho de criança no olhar.... nunca mais . Isso dói, dói muito, dói fisicamente.A minha vida tá muito mais pobre agora. É o que sinto. Não estou desesperada, não choro a cada minuto, aliás faz 3 dias que não choro. Prossigo minha vida. Mas tá tudo mais sem graça.Perder a mãe é como um parto ao contrário, é o segundo e verdadeiro corte do cordão umbilical. Me sinto um pouco sem bússola, deslocada, como chegar numa festa onde não se conhece muita gente. A gente fica num canto meio sem graça até encontrar um lugar .... Eu preciso encontrar meu novo lugar no mundo agora, um novo papel , daqui pra frente “sem mãe” . É estranho. E olha que eu sou uma pessoa muito independente, nunca fui presa emocionalmente à minha mãe nem a ninguém.Me dei conta de que sem programar , sem planejar, ou seja, de modo inconsciente, eu vivia para dar orgulho a ela. Tenho conversado com pessoas que perderam a mãe e todas me confessaram ter a mesma sensação, de que parece que no fundo fazíamos tudo para elas, como uma eterna retribuição por estarmos vivos, por termos sido acalentados dentro delas e fora delas também. E talvez por isso venha essa sensação de que as coisas perdem a graça.Talvez por isso também eu tenha escolhido para guardar comigo apenas duas roupas que ela mesma fez: A roupa da minha formatura na faculdade e a roupa do meu casamento. Esses dois dias foram dias em que eu tive a certeza de sua felicidade, dias em que ela teve orgulho de mim e quero guardar isso comigo não sei por quanto tempo....É isso dona Dadá .... seja feliz , onde estiver !!!!! Eu estou bem, sou esperta e sei me virar, você sabe.Já já eu me arranjo.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Sombras

Por diversas vezes vivi um sensação muito boa , da expectativa de algo bom acontecer (uma viagem próxima e sonhada, encontrar quem se ama logo mais, rever uma grande amiga, um fim de semana promissor...) enfim, coisas boas que fazem em um segundo a vida ficar mais alegre . Como um raio de sol que atravessa as nuvens de um dia nublado. Mesmo que o dia estivesse chato, cinzento, bastava lembrar, bastava que a lembrança dessa coisa boa por vir viesse à mente pra tudo se iluminar. Aí você se anima e diz : tudo bem logo logo vou viajar, vou encontrar com ele, vou me divertir....Mas o contrário também acontece. Sabe quando a vida tá boa, mas vem uma lembrança de algo ruim, triste e pronto.... é como se uma sombra viesse e cobrisse tudo..... As forças ficam mais fracas, dá um desânimo , um nó no peito e as vezes as lágrimas caem sem a gente sentir. Assim tem sido os meus dias atualmente . Tá tudo indo e de repente me vem a lembrança dela , ali na cama, lutando pra viver, frágil e tão viva por dentro. Basta essa lembrança pra tudo se tornar nublado. É como uma sombra que vem e cobre o coração. É isso. Meu coração tá na sombra.